Sevandija: os mortos não podem falar
O que prometia ser um divisor de águas na moralidade administrativa hoje repousa no limbo da Justiça
, atualizado
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Quase nove anos se passaram desde o início da Operação Sevandija, deflagrada com estardalhaço em Ribeirão Preto, em setembro de 2016 — uma operação policial que sepultou uma geração política e se tornou símbolo do combate à corrupção nos contratos públicos da cidade.
O que prometia ser um divisor de águas na moralidade administrativa hoje repousa no limbo da Justiça: réus soltos, processos emperrados e uma sociedade entregue à frustração, à espera de uma decisão sobre a legalidade ou não dos materiais captados pelo Ministério Público e utilizados como base para condenar dezenas de acusados.
A regra é clara: sem o conteúdo sob judice, 90% da operação desmorona. E esse é um risco concreto.
Graças às revelações recentes de Walter Delgatti Neto — o hacker conhecido como "o Vermelho" — vieram à tona trechos e registros de diálogos internos entre procuradores do Ministério Público que colocam em xeque a lisura, o foco e até mesmo as intenções de parte dos operadores da lei à frente do caso.
O Jornal Ribeirão teve acesso a parte desse conteúdo captado por Delgatti. Embora parte do material já tenha sido divulgada, há dois anos, pelo jornalista Eduardo Schiavoni — também editor do Jornal Ribeirão — o conteúdo atual é significativamente mais extenso e se embrenha nos meandros da operação, revelando a forma de atuação do MP.
Não se trata apenas de uma operação que perdeu força. É o retrato de um sistema que falha, mas não admite as próprias falhas: ações conduzidas de forma midiática, delações com pouca sustentação, táticas de pressão psicológica e manobras jurídicas duvidosas.
Em tudo isso, é impossível não traçar um paralelo com a Lava Jato — que, embora tenha produzido resultados concretos, também ruiu sob o peso de seus próprios abusos.
Em Ribeirão Preto, o caso mais simbólico — e trágico — dessa condução equivocada é o de Marcelo Plastino. Empresário, viu-se encurralado por acusações que o MP não conseguiu sustentar. Pressionado por todos os lados — o que incluiu transferência de presídio sem justificativa, pressão psicológica sobre ele e sua família, além de ameaças diretas de perdas patrimoniais —, Plastino tirou a própria vida, com direito à comemoração de promotores.
Para ele, ao contrário de tantos outros que continuam livres mesmo diante de evidências robustas, não houve segunda chance.
A Justiça, quando falha, mata duas vezes: primeiro ao deixar impunes os verdadeiros culpados; depois, ao empurrar inocentes — ou acusados sem defesa digna — para o abismo. É essa história que o Jornal Ribeirão precisa contar.
Para que nenhum corrupto volte a ficar livre por operações feitas “fora das quatro linhas”. Afinal, nove anos depois, a Operação Sevandija não nos deixou a faxina prometida, mas sim um legado de impunidade, omissão e dor.
É hora de o Ministério Público responder: quem vai pagar por isso?